quinta-feira, 26 de julho de 2012

O imaginário mundo de Michel Leclerc

Henrique Otani

Se “toda unanimidade é burra”, não existiria alguém mais estúpida que Baya Benmahmoud aos olhos de Nelson Rodrigues. A esquerdista militante de Les Nom des Gens, do francês Michel Leclerc, classifica todos à sua direita ideológica como “fascistas”. Independentes do viés ideológico e do humor rasteiro contidos no longa-metragem, há duas interpretações concebíveis de sua mensagem: uma, tola e irracional, formada aos olhos de um esquerdista similar à própria Baya; outra, crítica e satírica, de um espectador comum.

Com locus communis em demasia, o humor do filme não se encontra em sua história ou em suas frases soltas – como a de Cécile, mãe de Baya, em uma esquina qualquer dizendo que “a CIA financiava o regime fascista de Pinochet” -, mas em sua caricaturização involuntária da militância da esquerda francesa.

Baya Benmahmoud é uma bela moça e leva a frase “make love, not war” tão a sério que seria uma figura inusitada até no cenário americano de contracultura da década de 1960. Para convencer seus “inimigos fascistas” – que eram os mesmos de sua mãe: franceses, ricos, consumistas e todo o resto do ocidente – a mudar de lado, utiliza o sexo de forma imoral e deslavada. A evocação de Nelson Rodrigues não foi despropositada: Nelson dizia que, se houvesse a dissociação do sexo e do amor, o homem começaria a se desumanizar. De fato, observa-se que Baya não age como um ser humano comum e, completamente fora de si, chega a esquecer de suas vestes ao sair de casa, mas retorna ao seu estado normal de cognição ao ser abordada em um metrô.

Com um histórico de sucesso na conversão de homens “fascistas” ao lado “esclarecido e democrático”, Baya investe em uma nova vítima: Arthur Martin, aparentemente conservador, mas que tem como ídolo o socialista Lionel Jospin. Os dois iniciam um estranho relacionamento recheado de idas e vindas. Apesar das contradições, Arthur mostra-se sensato ao dizer à Baya que existe honestidade em ambos os lados, mas ela discorda e diz que a política é feita de idéias e que as idéias da direita sempre estão relacionadas ao dinheiro, ao nacionalismo e fazem valer as “leis da selva”. Forma-se então mais uma caricatura: a esquerda que quer discutir idéias mas não apresenta nenhuma de suas próprias, apenas questiona algumas tidas como verdadeiras sobre a direita.

Do socialismo – talvez de forma mais acentuada e com absoluta certeza de uma forma mais vigarista -, surgem homens que têm como única meta enriquecer aproveitando-se de seus “iguais”. É a servidão que não é comum apenas a um sistema econômico, mas aos relacionamentos estabelecidos entre os seres humanos em um sistema supostamente igualitário.

As “leis da selva” – em que “sobrevivem os mais fortes” – são nada mais que os valores de meritocracia e de livre concorrência, incompreensíveis a um ser humano incapaz de se inserir no mercado. Faz-se necessário, no entanto, explicitar que alguns homens – sobretudo os que nasceram à margem da sociedade – são realmente incapazes de concorrer em uma economia de mercado; outros, entretanto, têm a oportunidade e não se inserem na competição em razão de seu comodismo ou mera vigarice, restando-lhes a crítica voraz e infundada ao “sistema feroz”.

Sendo assim, o nacionalismo não deve ser visto como danoso tanto na economia quanto no âmbito social. Da mesma forma que grandes multinacionais se associam umas com as outras, formando monopólios internacionais, é compreensível que uma empresa nacional busque em seu governo – se não houver outro financiador disponível – apoio no intuito de não ser esmagada. Algo semelhante ocorre com os marginalizados em uma economia de mercado: cabe ao estado oferecer-lhes condições de concorrer em igualdade com os demais. Ademais, o nacionalismo, no sentido em que é empregado, evita os males de um teórico governo mundial, com a mais completa destruição das fronteiras nacionais e de inúmeras culturas locais.

Logo após tal “discussão”, Baya compra alguns crustáceos em um feira e, acompanhada de Arthur, seguem ao litoral no intuito de “salvar” esses animais. Nessa cena, há a utilização de um recurso fotográfico muito interessante: a música tocada e a iluminação dão um ar sublime à Baya, como se a mesma estivesse realizando um feito digno de ser inocentada de qualquer erro que tenha cometido, sendo assim infantilizada – seu tom de voz muda e então indaga “como ficariam os camarões” nas garras cruéis do capitalismo.

Em um dos momentos finais do filme, Baya surta ao votar equivocadamente em Nicolas Sarkozy, atribuindo a si mesma a culpa de sua eleição em 2007. Nesse misto de erros, chavões e pregação ideológica barata, a personagem de Sara Forestier retrata bem o tipo de esquerdista que entra no embate ideológico atual – não só na França, mas em todo o ocidente -, tornando-o caricato e inútil, ocasionando a mais completa estupidez obrigatória.

Publicado originalmente no blog Sapientia et Veritas

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